O Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024, em via de ser aprovado pela Câmara dos Deputados para regulamentar a Reforma Tributária, trouxe avanços relevantes ao texto da nova legislação. No entanto, na percepção da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), ainda traz uma significativa insegurança jurídica, sem contar o potencial de elevar a carga tributária a alguns setores da economia do País — sobretudo o de Serviços.
A Federação, por meio do Conselho de Assuntos Tributários e do Conselho Superior de Direito, encaminhou, há alguns dias, ao Grupo de Trabalho (GT) de Regulamentação da Reforma Tributária, no parlamento, uma nota técnica com nove propostas de ajustes no projeto antes de a norma ser finalizada. Segundo a Entidade, se acatadas, podem aperfeiçoar a legislação — da qual, vale dizer, a FecomercioSP é crítica desde o início.
A principal proposta do documento diz respeito ao dispositivo de transferência de crédito do novo IBS/CBS por empresas optantes do regime do Simples Nacional, que, no cotidiano do País, são sobretudo pequenas e médias (PMEs). Do jeito que está, o texto do PLP limita essa operação apenas a valores correspondentes a tributos “pagos”. É um contrassenso tanto em relação ao que está na Constituição, que fala de tributos “cobrados”, quanto ao sistema atual, que permite a transferência integral de crédito de PIS/Cofins. A proposta da FecomercioSP, nesse sentido, é que o projeto seja alterado para permitir a transferência de crédito da CBS em um porcentual equivalente à alíquota aplicável, além de manter a regra atual sobre contribuições que serão extintas (PIS/Cofins).
Outra proposta presente na nota técnica — e que, para a Entidade, tem um peso fundamental — diz respeito à não cumulatividade. O texto do projeto, como já observado, limita o creditamento a valores “efetivamente pagos” e não “cobrados”, além de o PLP tornar o recolhimento do tributo na liquidação financeira da operação (slipt payment) uma regra. Na lógica da FecomercioSP, é temerário construir um sistema tributário baseado em uma sistemática de recolhimento complexa, sem garantias de eficácia e sem saber qual será o custo para o País.
Sendo assim, a Federação propõe que se altere o termo “pago” ou a palavra “pagamento” por, respectivamente, “cobrado” ou “devido”. Alternativamente, sugere incluir um dispositivo que garanta crédito ao contribuinte em caso de a ferramenta prevista no PLP não funcionar corretamente.
Outro pleito do documento — que a FecomercioSP tem discutido há algum tempo com o Poder Público — diz respeito aos limites de faturamento das empresas do Simples Nacional. Todos eles estão defasados em quase uma década, implicando em redução do desenvolvimento econômico e da geração de empregos pelas empresas, além da própria injustiça tributária que a regra atual carrega. Cálculos apontam que o faturamento da receita do MEI, por exemplo, deveria praticamente dobrar para compensar a defasagem: de R$ 81 mil anuais para R$ 144,9 mil. Vale lembrar que, em 2021, o Brasil tinha 13,2 milhões de pessoas com esse tipo de registro empresarial, segundo dados do IBGE. No caso da Microempresa (ME), o reajuste é literalmente mais do que o dobro (de R$ 360 mil para R$ 869,4 mil), assim como para a Empresa de Pequeno Porte (EPP): de R$ 4,8 milhões atuais para R$ 8,6 milhões. Esses ajustes já poderiam constar no projeto de regulamentação.
O texto enviado pela FecomercioSP ainda contém propostas sobre a transparência da fixação da alíquota de referência — o governo fala em 26,5%, mas sem oferecer as bases do cálculo utilizado —, sobre as regras do cashback para famílias de baixa renda, além da inclusão de novos itens na Cesta Básica Nacional de Alimentos (CeNA).
Vale dizer que, crítica da reforma desde o início, a Entidade participou ativamente dos GTs criados pela coalizão das frentes parlamentares que apresentaram projetos de regulamentação do texto aprovado. Dentre os pleitos da Federação, protocolados em formato de Projeto de Lei Complementar (PLP), destacam-se a transferência integral de créditos das empresas do Simples e a inclusão de produtos alimentícios na CeNA que garantam, de fato, uma alimentação nutricional adequada, além da observância das diversidades regional e cultural.
Agenda da FecomercioSP
Ainda de acordo com a FecomercioSP, esse tema está longe de se esgotar. Embora a Reforma Tributária esteja perto de ser regulamentada, há espaço para seguir discutindo os efeitos perversos de um Estado que arrecada muito (32% do PIB), oferece serviços ruins, burocratiza o País e alimenta a desigualdade.
Não é de hoje que a Entidade destaca que, em vez de prosseguir com uma mudança na legislação que aumente impostos, o governo avançasse em medidas para reduzir os próprios gastos. Esse deve ser o foco das futuras discussões nacionais.
É assim que a Federação entende ser o momento de avançar em discussões estruturais para minimizar os seus efeitos e, em paralelo, inserir o País na rota de um desenvolvimento mais justo e igualitário. Isso passa, obrigatoriamente, por uma modernização administrativa do Estado brasileiro que reveja uma série de dispositivos em operação hoje — desde a gestão da máquina pública e o quadro de salários dos servidores até o fornecimento de serviços. Do jeito que está, o Estado tem contribuído para perpetuar e aprofundar desigualdades sociais.
NOVE PROPOSTAS DE AJUSTES NA REGULAMENTAÇÃO DA REFORMA TRIBUTÁRIA
FecomercioSP
Não cumulatividade
Alterar os termos “pago” ou “pagamento” por “cobrado” ou “devido” no projeto ou, alternativamente, incluir dispositivo que garanta crédito ao contribuinte, caso a ferramenta do split payment não funcione adequadamente.
Transferência de crédito no Simples Nacional
Permitir a transferência de crédito da CBS para o adquirente, em porcentual equivalente à alíquota aplicável ao não optante, mantendo a regra atual referente às contribuições extintas (PIS/Cofins).
Novos limites para empresas do Simples
Atualizar limites de receita de enquadramento no regime simplificado da seguinte forma:
– Microempreendedor Individual (MEI): de R$ 81 mil para R$ 144.913,41;
– Microempresas (MEs): de R$ 360 mil para R$ 869.480,43;
– Empresas de Pequeno Porte (EPPs): de R$ 4,8 milhões para R$ 8.694.804,31.
Atualizar também sublimite dos atuais R$ 3,6 milhões para R$ 6.521.103,23.
Alíquotas do IBS e da CBS
Aprimorar texto atual para garantir mais previsibilidade e transparência na fixação da alíquota de referência (que, hoje, está em 26,5%), bem como nos regimes específicos.
Cesta Básica Anual de Alimentos
Incluir um conjunto de 19 itens, como proteínas animais e sal, na lista prevista no projeto para compor a CeNA, sem se limitar às classificações fiscais.
Cashback
Incluir, de formar expressa, a observância aos critérios de simplificação previstos no Estatuto Nacional de Simplificação de Operações Tributárias Acessórias (instituído pela Lei Complementar 199/2023), que tem como finalidade a redução de custos para cumprimento de obrigações tributárias, e incentivar a conformidade fiscal.
Avaliação quinquenal
Adicionar obrigatoriedade de que eventuais Projetos de Lei (PLs) sobre a legislação tributária estejam acompanhados de estudo técnico, divulgado previamente para manifestação das atividades impactadas, além de prever expressamente a observância do princípio constitucional da anterioridade.
Regime Especial de Fiscalização
Alterar, no PLP, o termo “em tese” para “indícios”, e substituir o número de ocorrências de 2 (duas) para 10 (dez), para consideração de prática reiterada de infração da legislação tributária.
Apensamento de projetos
Requerer o apensamento do PLP 68/2024 aos projetos já existentes para garantir o aproveitamento dos textos amplamente discutidos com as entidades e sociedade civil, nos termos estabelecidos pelo art. 142 do Regime Interno da Câmara dos Deputados.
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